“É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil”, tem repetido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e membros do seu governo desde a campanha eleitoral.
Mas será que a atividade industrial ainda tem capacidade para gerar empregos de qualidade e em número expressivo, passadas quatro décadas de desindustrialização e com o avanço global do setor de serviços?
E quais setores da economia brasileira atualmente criam maior proporção e volume de empregos que remuneram bem seus trabalhadores?
Para responder a essas e outras perguntas, do interesse de quem trabalha, de quem quer escolher uma profissão e daqueles que formulam políticas públicas para geração de empregos, os economistas Paulo Morceiro e Vicente Toledo realizaram um estudo com base na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego que abrange mais de 97% dos vínculos empregatícios formais do país.
O estudo foi publicado em janeiro no blog Valor Adicionado.
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Confira os principais resultados e descubra onde estão os bons empregos no Brasil.
“O que chamamos de ‘bons empregos’ leva em conta a realidade da economia brasileira”, observa Paulo Morceiro, pesquisador na Universidade Joanesburgo, na África do Sul, que reside atualmente na Holanda.
Entre as características do mercado de trabalho do Brasil estão a elevada informalidade e o desemprego alto, observa Morceiro.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em novembro de 2022, os informais representavam 38,9% da população ocupada e a taxa de desemprego era de 8,1%, com 8,7 milhões de brasileiros desempregados.
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Além disso, os trabalhadores brasileiros têm baixa escolaridade – em 2018, apenas 21% das pessoas com idades entre 25 e 34 anos no Brasil tinham ensino superior completo, contra média de 45% nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) –, o que também influencia no nível de rendimentos da população.
“Os empregos dos sonhos das pessoas – aqueles com remuneração acima de 10 salários mínimos, ou o teto do setor público, que seriam juízes, procuradores, desembargadores – têm um peso muito pequeno na realidade brasileira, representam menos de 5% do total de empregos”, diz o economista.
Neste cenário, os pesquisadores consideram como “bons empregos” aqueles que permitem a uma família arcar com as necessidades básicas de saúde, educação, moradia, alimentação, vestuário e lazer.
Esse valor é calculado periodicamente pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e, em dezembro de 2022, era de R$ 6.647,63 para uma família de quatro pessoas, sendo dois adultos e duas crianças.
Como os dados da Rais analisados no estudo são de dezembro de 2021, o patamar considerado naquela data era de R$ 5.800,98, equivalente a 5,27 salários mínimos da época (R$ 1.100) para uma família de quatro pessoas – ou 2,64 salários (R$ 2.904) por membro adulto da família.
Assim, o que estamos observando no gráfico acima são quais setores da economia brasileira geram maior proporção de empregos com remuneração acima de 2,64 salários mínimos.
Morceiro e Toledo também fazem outra análise, considerando o salário médio da economia brasileira, que era de 2,99 salários mínimos em dezembro de 2021 (equivalente então a R$ 3.289).
Nessa análise, eles consideram como “bons empregos” aqueles que pagam acima dessa média.
Levando em conta apenas setores que geram pelo menos 2% do volume total de empregos formais do país, o resultado é o seguinte:
Considerando como “bons empregos” aqueles que pagam acima de 2,64 salários mínimos – ou o necessário para uma família suprir suas necessidades básicas –, para cada 100 empregos gerados no Brasil, cerca de 37 são considerados de qualidade.
Esse percentual chega a 87% no setor de serviços financeiros, 74% no setor público (incluindo saúde e educação), 60% em tecnologia da informação e comunicação e 55% na educação privada.
“No setor financeiro, a maioria dos empregos gerados são bons, pagam salários acima da média da economia. Mas é preciso levar em consideração que esse setor tem um peso muito pequeno na economia do país”, observa Morceiro.
A título de comparação, enquanto o setor financeiro gera cerca de 1 milhão de empregos formais no país, o serviço público cria quase 9 milhões e o comércio, 9,5 milhões. Assim, embora o comércio só gere 15% de “bons empregos”, essa parcela (1,4 milhão de vagas) é maior do que a totalidade do setor financeiro.
As atividades profissionais e científicas – que incluem atividades jurídicas, contabilidade, arquitetura, engenharia, pesquisa científica, publicidade, serviços veterinários, entre outras – também geram mais empregos bem remunerados que a média nacional.
Já a indústria de transformação fica logo abaixo da média, enquanto na rabeira estão os setores que geram uma maioria de empregos de baixos salários, como alojamento e alimentação, agropecuária, serviços administrativos, comércio, construção e transportes.
A análise que considera como “bons empregos” aqueles que pagam acima da renda média nacional (isto é, acima de 2,99 salários mínimos) tem resultado parecido.
Mas aqui chama a atenção o fato que, na indústria de transformação, setor alvo das políticas de reindustrialização, apenas 1 de cada 4 empregos têm salários acima da média nacional.
Morceiro e Toledo destacam que, historicamente, a indústria de transformação remunerava acima da média da economia do país. Mas essa diferença foi diminuindo ao longo das décadas e, desde 2016 – depois da crise econômica iniciada em 2014 –, a tendência se inverteu, com a média da economia superando o setor industrial.
Em 2021, a indústria pagou salário 5,2% menor que a média da economia brasileira (2,84 salários mínimos, contra 2,99 salários mínimos – ou R$ 3.124 ante R$ 3.289, em valores daquele ano).
“O Brasil tem uma estrutura produtiva muito focada em baixa densidade tecnológica, em setores mais intensivos em trabalho, que em geral pagam salários abaixo da média. A proporção dos empregos em setores industriais de alta e média-alta tecnologia, como máquinas e equipamentos, automóveis, farmacêutica, química, sempre tiveram peso menor dentro da estrutura industrial do país”, observa Morceiro.
“Mas o que está acontecendo é que a proporção dos empregos de mais baixa remuneração aumentou em relação ao total, por causa da própria desindustrialização desses setores mais tecnológicos.”
O economista observa que a desindustrialização é disseminada setorialmente, atingindo tanto os setores de baixa, como de alta tecnologia.
“Porém, na alta tecnologia, aconteceu uma coisa pior. Passamos a substituir grande parte dos componentes nacionais por importados. Por isso, estamos fazendo mais montagens, que tendem a pagar salários mais baixos”, acrescenta.
Morceiro observa que o que acontece no Brasil é diferente do que se passa, por exemplo, nas economias desenvolvidas. Nesses países, o aumento da automação tem eliminado os empregos industriais de renda média.
No Brasil, no entanto, esse processo é menos intenso. Isso porque aqui, com a economia sem forte crescimento há décadas, a taxa de investimento e modernização da indústria é baixa.
“No passado, os bons empregos estavam na indústria. O setor representava quase 30% do emprego, gerava empregos de classe média e o poder sindical era muito grande nos países desenvolvidos. No passado, a industrialização permitiu que muitos países alcançassem um nível de desenvolvimento elevado”, observa Morceiro.
“Então muitas pessoas têm na cabeça que os bons empregos estão na indústria, mas hoje, após o Brasil ter passado por um processo brutal de desindustrialização durante quatro décadas, a manufatura tem muitos bons empregos, mas também tem muito emprego de baixo salário”, acrescenta o pesquisador da Universidade de Joanesburgo.
O economista observa que os bons empregos do setor público (cerca de 6,7 milhões), por exemplo, superam em quase três vezes o número de bons empregos gerados pela indústria de transformação (2,3 milhões, em números absolutos).
“No país hoje, tem quem ache que a reindustrialização vai automaticamente levar a bons empregos. Mas o que nosso estudo mostra é que, dependendo da forma como isso for feito, vai apenas reforçar a geração tanto de bons, como de maus empregos”, afirma.
“Precisamos saber que indústrias vamos querer fortalecer. Não é toda indústria que gera bons empregos, paga bons salários, gera um bom nível de desenvolvimento tecnológico e as externalidades científicas que queremos.”
Morceiro observa que há muitos bons empregos sendo gerados em serviços e que setores como tecnologia da informação, serviços financeiros, pesquisa científica, saúde, educação e o próprio setor público são vitais para a abertura de postos de trabalho de qualidade.
“É claro que é preciso levar em consideração alguma política para a indústria de transformação, principalmente para aqueles segmentos que pagam bons salários e geram bom nível de desenvolvimento tecnológico. Mas é preciso pensar na política pública de forma mais pragmática”, defende o economista.
“Não dá para fazer políticas para um setor inteiro – por exemplo, para a indústria, o comércio ou a saúde inteira. Dentro desses setores, há vários segmentos, vários nichos, e as políticas têm que ser bem focalizadas naqueles que vão trazer mais benefícios para a sociedade.”